terça-feira, 7 de abril de 2009

Caxixi é o Que?

ORIGEM DOS CAXIXIS

Os caxixis são miniaturas da louça grande, caprichosamente trabalhadas e
originariamente destinadas a uma finalidade de brinquedos. Moringas
pratos, panelas, fruteiras, tigelas, frigideiras, cálices, quartinhas,
etc. que segundo o folclorista, escritor e historiador nazareno
Alexandre Lopes Bittencourt no seu trabalho apresentado ao I Congresso
Brasileiro de Folclore, em 1951, “tudo pequeno, destinado ao enlevo e à
alegria dos meninos”.
Entre todas as peças do gênero caxixi, destaca-se a tradicional criadinho
mudo, sempre procurando pelas meninas para se colocado à cabeceira da cama
de suas bonecas.
Pelo sentido de curiosidade que desperta como por sua originalidade, o que
lhe dá uma certa função decorativa, o caxixi não deixa de interessar,
também, aos adultos.
Apesar da louça-de-barro em miniatura ser uma espécie de arte-popular
encontrada em diversos pontos do país, foi na Bahia que mais se vulgarizou
e se revestiu de tipicidade, a ponto de constituir uma manifestação
específica e particularmente denominada caxixi.
As suas origens, segundo alguns estudiosos, devem estar ligado à tradição
oleira de Portugal.

Demonstra-nos o historiador Armando Lucena que os barros de Niza, de
Estremoz e Bisalhões desde muito tempo apresentavam essas miniaturas e, de
um modo geral, com as mesmas características do caxixi, como nos é
possível compreender. Entre todos, dá maior relevo aos pucarinhos de
Bisalhões: “Ao lado dos de Niza e de Entremoz, diferentes pelas
decorações florais que possuem, têm um cantinho, à parte, os minúsculos
pucarinhos de Bisalhões, nas proximidades de Vila Real, cuja
especialidade é o fabrico da louça preta. São verdadeiros mimos de graça,
tão pequenos e tão lindos que talvez lhes pudéssemos chamar a infância da
louça de barro, porque os seus modelos extremamente diminutos reproduzem
toda a escala da louça grande. Com eles se formam colares, colares de
pérolas negras que os rapazes oferecem às raparigas das suas aldeias e
que elas depois colocam sobre o peito”, diz o folclorista Armando Lucena.
A referência nos faz pensar que essas miniaturas portuguesas sejam de
formato bem menor que o do caxixi baiano, pois só assim com elas se
poderia formar colares; mas fora este ponto divergente, o resto é
estreitamente semelhante, inclusive na tradição de ser utilizado como
presente de namorados.
Nada impede que também se suponha alguma relação entre o caxixi e as outrora
chamadas “Louças de Deus”, as quais, durante os séculos XVIII e XIX foram
bastante divulgadas, principalmente no Rio de Janeiro. Eram trabalhos de
escravos, conforme explica Gastão Cruls no seu livro Aparência do Rio de
Janeiro: " Insistindo, porém, a respeito daquele abuso tão grande de
número de feriados, quem mais lucrava com isso eram os pobre escravos.
Dia de santo era dia de folga. Podiam então trabalhar por conta própria,
fazendo uma coisinhas, louça de barro ou copos, jarros e pichorras,
recortadas no fruto da cabaceira, e que iam vender aos domingos para,
conseguir uns minguados cobres. E porque assim eram feitos, nos lazeres
dos dias consagrados à Igreja, esses objetos eram conhecidos por “Louça
de Deus”.
A possibilidade da relação não está propriamente na louça-de-barro feita
pelo escravo, mas nos objetos que confeccionaram recortando o fruto da
cabeceira. Geralmente eram peças de tamanho reduzido: moringuinhas,
pratinhos, jarrinhas, etc. . como ainda hoje não raro encontramos pelo
interior.

No intuito de podermos explicar a origem do caxixi os estudiosos não
acharam mais do que essas duas fontes. Da primeira, conclui-se que essas
miniaturas de louça-de-barro representam uma velha tradição na arte
popular portuguesa. Pela segunda ficamos sabendo que objetos semelhantes
eram confeccionados no Brasil, pelos escravos, se cortando cabaças. Se
alguma hipótese havemos de levantar, preferimos o apoio da primeira. De
fato parece-nos razoável considera-se o caxixi - como manifestação
especifica da cerâmica popular - mais uma resultante da influência
colonizadora que, como as demais, em grande parte se desfiguram,
adquirindo, inclusive, denominação nativa. A PALAVRA CAXIXI

A denominação caxixi vem constituindo um problema de terminologia
folclórica no campo de nossa arte-popular. A palavra tem sido mencionada
com reservas de mistério e insegurança quanto a sua formação e seu uso
para denominar um determinado tipo de cerâmica. Pelo que se imagina, até
hoje, apenas Cecília Meireles esboçou uma tentativa de explicação para a
“misteriosa palavra”, como ela mesma diz.
A ilustre folclorista supõe a possibilidade do termo caxixi haver derivado
de “cochicho” – aqueles apitos de barro, já usados em Portugal, que,
cheios d’água, quando soprados imitam a voz do pássaro do mesmo nome de
“cochichos”, daí a razão porque pondera:
“E a palavra “cochicho” nos faz lembrar sem queremos fazer aqui nenhuma
afirmação etimológica definitiva - o termo “caxixi – cuja explicação não
encontramos – e que, na Bahia, designa miniaturas de louça, executadas em
barro, utilizadas como brinquedos, para crianças e presente de
namorados”. E mais adiante:
“Os filólogos é que poderão dizer se ela (a palavra caxixi) pode provir de
“cochicho”," cochichinho”, - o tal assovio de água – mas a verdade é que
não foi enumerado pelo autor do livro O Artesanato na Bahia-Recôncavo,
Carlos José da Costa Pereira, entre as peças encontradas na interessante
feira”. Refere-se ao opúsculo de Alexandre Bittencourt – “A Feira de
Caxixis "– já mencionado aqui.
Primeiro, diga-se de passagem que assovios são muitíssimos usados na
famosa feira. Não propriamente o “cochicho”, mas assovios de barro com a
forma de uma chave que, na verdade, o autor esqueceu, ou não cuidou da
importância de mencionar.
Todavia, embora pareça estarmos favorecendo a hipótese da eminente Cecília
Meireles, dela discordamos inteiramente; mesmo porque, esses assovios, no
Brasil, popularmente são mais conhecidos como “curió” nomenclatura que
também relaciona a um passarinho cujo canto imitam.
Por outro lado a palavra caxixi tem em nossa língua uma outra
significação, indicando a aguardente ordinária, de 14 a 18 graus. Porém,
ainda não é com este sentido que desvendaremos o segredo de seu emprego
na caso da cerâmica. Talvez quanto ao vocábulo significando miniaturas de
louça-de-barro, é a de que ele seja derivado de caxixi – termo regional
do Sul da Bahia, empregado para indicar logro, esperteza, ratonice e
coisa semelhante.
Assim, a palavra não surgiu diretamente ligada à louça e sim, à grande
feira que todos os anos, durante a Semana Santa, se realiza em Nazaré
para vendê-la.
Uma das tradicionais atitudes populares durante a feira era justamente
furtar a louça. Isto era uma diversão de praxe, característica mesmo do
acontecimento. Enquanto compravam muitos procuravam confundir o vendedor,
tumultuando a escolha, trocando, separando peças; aproveitam-se da
confusão reinante, motivada pela aglomeração de pessoas sobre o lote de
objetos, sem que o vendedor, atordoado pelo vozerio e pelo movimento,
possa prestar atenção a todos. As peças são pequenas e podem com
facilidade ser rapidamente colocadas no bolso, numa cesta que se traga ao
braço, dentro duma peça maior (um jarro ou uma panela adquirida com esta
finalidade) ou sorrateiramente passada para alguém que de propósito se
conserva atrás. Ao fim de tudo, “honesta e seriamente” pagam mas pagam em
geral a metade daquilo que levaram.
Veja-se o que se diz sobre o fato um grande conhecedor da feira,
Alexandre Lopes Bittencourt:
“Como nos anos passados, do roubo de louça, praticado pelos meninos e
pelos rapazes irrequietos, se originam conflitos, carreiras e arranhões.
Quebram-se vasos, à vontade.
Vozes veementes protestam.
Cruzam-se insolências de bocas devassadas."
Esta é a exceção, contudo verdadeira e não muito rara. O normal era a
tapeação se conservar na maior tranqüilidade, sendo o mesmo vendedor
logrado duas ou três vezes pela mesma pessoa. O tumulto, quando ocorria
da oportunidade ás crianças e a molecada, roubando a louça
acintosamente e fugindo aos gritos de “pega-pega”! O mesmo não acontece
com aqueles que se esmeram na arte de furtar, dos quais aparecem na feira
verdadeiros mestres, que ainda tornam amigos do feirante. Hoje, o costume
vai-se aos poucos desaparecendo.
É dessa forma praticado o ato do caxixi com todas as suas peculiaridades,
expressando, com requintes, a habilidade do caxixeiro – como também
chamava no Sul da Bahia, especialmente em Ilhéus e Itabuna, aqueles que
iludem a outrem nas transações e negócios de dinheiro.
Em sua “Onomástica Geral da Geografia Brasileira”, Bernardino de Souza nos
dá a completa explicação do vocábulo caxixi, que merece ser transcrita na
íntegra:
“Caxixi: termo do sul da Bahia, muito correntio nos Municípios de Ilhéus e
Itabuna, designativo de engano, logro e esperteza exercidos na obtenção
de terrenos cacaueiros, fazendas, etc. Para aqui trasladamos, sem mudar
palavra, o que a respeito nos escrever o Dr. Ruy Penalva, brilhante
espírito, fazendeiro na referida zona. "Caxixi: é um roedor das nossas
florestas, pequeno, forte e ágil. Um demônio de vivacidade. Se não é o
esquilo, que nunca vi serão pintado, parece em extremo. Conhecem-no (e
talvez já não exista ali) no Norte da Bahia, com o nome de Caetité. Aqui,
chamam-lhe cotia de pau, papacôco e, mais comumente caxixi sem o
intermédio do marsúpio, lembra o último estágio do murídeo em transição
para o pequeno símio inferior (sagui), cuja evolução parece ter-se
frustrado.Na gíria local, caxixe eqüivale a ratonice, lougro, esperteza.
Um furto, um roubo não constituem caxixe. A traça do negócio tem que
revestir aparências honestas, exterioridades defensáveis para merecer as
honras do caxixi. Ainda quando a violência colabore no arranjo da
melqueira, o disfarce ilude, ocultando-a. É a trapaça; ilude a boa fé dos
incultos e joga, por vezes com a velhacaria da própria vítima. À força de
ser roubado, o matuto tem o instincto jurandi é uma das melhores e
freqüentes armas do caxixeiro é acenar à vítima com a possibilidade de
prejudicar a outrem. Ligam-se, para logo, o caxixeiro e a vítima,
transigem com a mais absoluta confiança e lá se vai roubado o trouxa que
se entregará à discreção para prejudicar a interesses de terceiros. O
vocábulo tem um poder de expressão pinturesca.
O caxixe escapa à mais consumada maestria do escopeteiro que o não
conheça. Tenho visto alguns, abrigados em acidentes de árvores,
inatingíveis. A curva de um galho bem aproveitada é uma trincheira.
Outras vezes cai debaixo da mira e no momento de comprimir o atirador o
gatilho, quando já não pode suspender o movimento, o vivaz diabinho ocupa
posição diametricamente oposta. Contornou o tronco e escondeu-se, ou
desceu, ou subiu um metro e, de cabeça voltada para nós, passou a ter a
cauda voltada para baixo. Esta, muitas vezes, lhe serve de disfarce. Num
galho seco, com o pelo abundante e relativamente longo, ouriçado, deitado
a fio sobre o dorso, dá a impressão perfeita de uma casa pequena de
maribondo, a que chamamos tatu. A figura-se-me uma intuição genial a do
matuto que assim designou a esperteza! Do exposto, parece-nos
perfeitamente lógica a conclusão do termo caxixi não haver sido
originariamente aplicado à louça, mas à feira, como derivado por modo
errado de escrever ou falar a palavra caxixi – Feira do caxixi – e, por
extensão, passando a designar a espécie de cerâmica nela comerciada com
prioridade.

Escrito por: Abinael Morais Leal

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